• Você sabe que é preciso estudar músicas de acordo com o nível de suas habilidades;
  • Você sabe que estudar músicas e exercícios em ordem progressiva de dificuldade é um caminho para evoluir com maior tranquilidade;
  • Você sabe que estas listas não necessariamente funcionam, e ao passar pra próxima música ela se revela muito mais fácil ou muito mais difícil que a anterior;
  • Você sabe que a escolha de digitação pode tornar uma música mais fácil ou difícil;

Mas você talvez não sabe a razão de qualquer uma destas coisas acontecerem.

Você não sabe porque nunca te disseram o seguinte:

Há cinco tipos de dificuldade, e cada pessoa lida com elas de forma diferente. Conhecendo cada uma delas e a si mesmo fica mais simples saber quais músicas são mais fáceis ou difíceis para você, bem como quais opções de digitação funcionam melhor pra você.

1- Dificuldade Fisionômica

É qualquer dificuldade oriunda da relação do corpo com o instrumento. Por exemplo, para tocar oitavas paralelas no piano com uma mão é preciso ter um distanciamento entre os dedos polegar e mindinho que nem todos têm – crianças, por exemplo.

Dificuldades fisionômicas, em geral, são intransponíveis. Se possível, o músico deve começar adquirindo um instrumento adequado às suas dimensões. Alguns procedimentos, no entanto, ajudam a vencê-los.

Por exemplo, quatro dificuldades fisionômicas comuns no violão são aberturas, mudanças de acordes, crossing e pestanas. Para conseguir uma abertura maior entre os dedos, é recomendável fixar algum dedo para abrir os demais a partir deste ponto fixo ao invés de tentar abrir todos os dedos ao mesmo tempo.

Já em mudanças de acordes, estudar a mudança dedo a dedo (apenas a nota que o indicador toca no primeiro e no segundo acorde, por exemplo), depois por pares e trios de dedos para, por fim, fazer a mudança com todos os dedos, ajudam o cérebro a fixar não apenas os pontos em que cada dedo deve tocar, mas o balé necessário para sair do primeiro acorde e chegar no segundo com agilidade e graça.

Crossing ocorre quando a mão direita precisa se movimentar contrário à posição mais natural para tocar acordes e arpejos – por exemplo, dedilhando a segunda corda com o dedo médio e a primeira, mais aguda, com o indicador. Em geral ocorre ao tocar escalas, e uma pequena alteração na digitação costuma resolver: incluir o anular ou o polegar eventualmente só para manter a mão direita na posição mais confortável o tempo todo. Mas você notará que esta digitação sem crossing com frequência cria outra dificuldade, a de memória. Eis uma oportunidade na qual o autoconhecimento determina qual a melhor opção: encarar o crossing e fugir de um lapso de memória ou o contrário. 

Pestanas ocorrem quando usamos um dedo da mão esquerda, quase sempre o indicador, para prender mais de uma corda ao mesmo tempo. Vários estudantes tentam tocar a pestana como se fosse uma pinça entre o indicador e o polegar, forçando músculos frágeis a vencer os 30kg de tensão das seis cordas. É melhor utilizar a musculatura do tríceps e das costas, como fazemos ao nos segurar na barra superior de um ônibus ou vagão de metrô quando o veículo freia bruscamente. 

2 – Dificuldade de memória

Como o nome sugere, é a dificuldade relacionada à capacidade de lembrar as informações necessárias para tocar uma música. Falamos acima do crossing, uma dificuldade fisionômica que ocorre comumente ao dedilhar uma escala com um padrão de digitação fácil de lembrar (sempre alternando indicador e médio, por exemplo).

Vencer dificuldades de memória envolve encontrar e relacionar padrões entre si e entre aspectos extra-musicais. Afinal, nossas memórias mais fortes, a memória olfativa e a memória espacial, em geral são pouco úteis à prática musical.

A chave para vencer dificuldades de memória é encontrar padrões e uní-los num processo semelhante a um “zip” mental. Por exemplo, para melhor lembrar uma escala, ao invés de tentar recordar cada nota, é mais simples lembrar apenas a primeira e a última nota, além da tonalidade. 

Na ausência de padrões identificáveis (mas o aprofundamento em teoria musical aumenta a capacidade de reconhecer padrões), outras memórias podem ser estimuladas: a memória visual da partitura, a memória espacial do movimento que as mãos fazem, bem como outras formas de memorização. Mas raramente há poucos padrões.

Tocar uma música difícil de memorizar é como saltar de pára-quedas: é preciso ter um reserva pronto caso o principal falhe. Combinar mais de uma forma de memorização é fundamental.

3- Dificuldade de mecanismo (ou de técnica)

Normalmente o foco das atenções, consiste em ser capaz de executar algum movimento possível, viável, “mapeado” pela didática do instrumento, que ainda se revela desafiador.

Raras são as situações em que não nos deparamos com uma dificuldade de mecanismo quando entramos em contato pela primeira vez com uma música nova. Mas elas podem ser reduzidas enormemente com o estudo diário de exercícios de técnica do seu instrumento. 

O estudo de técnica deve ser visto como a musculação: evolui-se mais estudando dex minutos ao longo de doze dias que estudando duas horas em um dia. E, assim como a musculação, é preciso escolher exercícios que englobam toda a variedade de movimentos exigidos pelo instrumento, no nível de dificuldade adequado. 

Há quem evite o estudo de mecanismo e prefira vencer as dificuldades à medida que se apresentam no estudo do repertório. Caso a pessoa consiga isolar os movimentos que ainda não domina e criar exercícios para se aprimorar, separando um momento para estudar apenas estes exercícios, pode dar certo. Mas como a escolha de não incluir o estudo de mecanismo na rotina diária é causada por falta de disciplina, em geral estudar os movimentos difíceis à medida que aparecem nas músicas tende a levar a resultados insatisfatórios – leva-se tanto tempo para dominar os movimentos que quando chega o momento de estudar questões musicais já não há mais paciência para seguir estudando. 

4- Dificuldade de apreensão

Esta é a dificuldade que mesclam os desafios de leitura com o de estilo: decodificar o texto musical, qualquer que seja sua escrita (cifra, tablatura, baixo cifrado, partitura, etc) e completar as informações necessárias não escritas.

O fenômeno musical é complexo o suficiente para ser impossível escrever tudo que é necessário. Mesmo se fosse possível, os compositores costumam contar com a contribuição do intérprete.

É importante separar tempo na rotina de estudos para aprimorar a leitura musical à primeira vista, mesmo se no seu dia-a-dia você lida principalmente com escritas mais simples, como a cifra. Um violonista que lê cifras (e as transpõe) à primeira vista é muito requisitado.

O estudo de leitura à primeira vista deve ser sempre com metrônomo, em andamento confortável (50 bpm, por exemplo), e usando músicas abaixo do seu nível de dificuldade. Lembre-se que o objetivo é desenvolver a leitura, então é preciso ler do começo ao fim, sem parar, no máximo três vezes, e sem ficar estudando os trechos difíceis. Se parecer necessário, na próxima sessão pegue músicas mais fáceis.

Mas há um mundo de informações além das “bolinhas na partitura”. Uma escala em dó maior numa música de Bach não deve soar como uma escala em dó maior na música espanhola – mesmo se forem as mesmas notas. Há informações de dinâmica, agógica, timbre, articulação, entre outros, que cada compositor pressupõe que o intérprete conhece por fazerem parte daquele estilo e, por isso, consideram desnecessário escrevê-las. 

A compreensão e aplicação prática deste conhecimento de estilo no repertório define a maturidade de um músico, e leva décadas para serem dominadas. Mas seu domínio começa pela audição ativa: ouvir boas interpretações de obras importantes – de preferência, acompanhando pela partitura – buscando sempre compreender o que o intérprete faz que não consta na partitura, como um rallentando, um staccato, uma sonoridade, e que engrandece aquela interpretação. Em alguns casos, pode valer a pena buscar copiar uma gravação de referência – mas tome cuidado para isso não se tornar um hábito e a gravação ser de referência MESMO!

Outra iniciativa tão boa quanto é tocar em grupo – não importa se um duo ou uma orquestra -, sob a liderança ou a concepção artística de um músico mais experiente que você naquele estilo ou gênero musical. 

5 – Dificuldade psicológica

Esta é fácil de definir e a mais complexa de resolver. Trata-se de toda dificuldade de ordem pessoal criada pela experiência prévia do músico. Em geral ela se apresenta nos famosos “cavalos de batalha” do repertório: após anos de estórias, expectativa e ansiedade, ao estudar pela primeira vez aquele objeto de desejo seu, dos colegas, do professor, ou do público, tudo parece mais difícil que realmente seria caso aqueles compassos estivessem em outra música.

Outra manifestação dela se confunde com a dificuldade de mecanismo. O instrumentista que se convence que tem dificuldade em tocar, por exemplo, escalas rápidas, acaba confirmando suas expectativas sem justificativa clara.

Em geral a dificuldade psicológica vem acompanhada dos “pensamentos apocalípticos”: frases que vêm à mente enquanto tocamos que nos desmotivam ou nos levam ao fracasso. 

Claro que uma visita ao psicólogo é bem-vinda, mas há duas formas mais rápidas de resolver a maior parte das dificuldades psicológicas. A primeira é evitar os pensamentos apocalípticos, seja por meio do esvaziamento ativo de qualquer pensamento verbal enquanto toca (apenas deixe o pensamento ir embora, sem dar continuidade a ele), seja por encher a mente com informação relacionada a tocar (pensar o nome das notas em tempo real, imaginar uma estória relacionada à sua interpretação, pensar na harmonia, etc.).

A segunda é criar pequenos exercícios de mecanismo nos trechos assustadores no qual a dificuldade encontrada na música é intensificada. Por exemplo, se saltar de posição é um problema, crie um exercício em que o salto é maior que na música. Se fazer uma escala em um determinado andamento é o desafio, faça mais rápido. Esteja rodeado de provas concretas que aquela música está a seu alcance.

Mas algumas composições são especialmente difíceis e nem sempre a segunda opção está disponível. Neste caso, o melhor é começar o estudo a partir de metas impossíveis de errar (por ser poucas notas, em um andamento muito tranquilo, por exemplo). Ao progredir em condições em que o erro jamais aconteceu, vem o conforto de que tocar certo é inevitável. 

E agora?

Agora que você conhece os cinco tipos de dificuldades, e um pouco de como lidar com cada uma delas, é preciso iniciar uma busca de autoconhecimento para entender como você se relaciona com cada uma delas, e tomar decisões maduras a respeito delas.

Por exemplo, percebo que a dificuldade de memória tende a ser especialmente complicada para mim. Isso me leva a tomar decisões nas quais, para fugir ou minimizar dificuldades de memória, tenho de lidar com dificuldades de mecanismo mais complexas. Mas dificuldades de mecanismo são, para mim, mais fáceis de resolver que dificuldades de memória, então acabo resolvendo de maneira mais fácil ampliando uma dificuldade que não me é tão difícil para reduzir uma dificuldade que me exige mais esforço.

Você também poderá entender melhor suas habilidades para determinar melhor o nível de cada uma delas, compreendendo que uma composição com dificuldade fisionômica média pode ser mais difícil para você que uma com dificuldade de apreensão alta, uma vez que a dificuldade fisionômica seria oriunda de exigir uma abertura de mãos que você ainda não domina, enquanto você tem uma leitura à primeira vista muito boa. 

Experimente rever as músicas que você toca atualmente ou tocou recentemente e analisar quais dificuldades elas oferecem, e sua origem. Se você tiver um registro da sua rotina de estudo, como um diário de estudos, você poderá recuperar o que você teve de fazer para conseguir tocá-las. Este será um raio-x muito revelador, e que poderá nortear suas escolhas de repertório e sua rotina de estudos técnicos pro futuro com muito mais sucesso. 

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