Alvaro Henrique, alvarohenrique.com
Quando falamos de interpretação musical, a digital do intérprete, a sua maior contribuição, é a sua sonoridade, o timbre extraído da voz ou do instrumento.
Assim como você reconhece o carro de um familiar pelo som do motor, o músico é reconhecido pelo seu som. Mas um carro faz muito mais que apenas produzir um som específico. Já o músico, só existe para produzir som. Para o público, você é o seu som.
No violão clássico, a sonoridade é fruto de uma combinação entre mente + unhas + cordas + violão.
O aspecto mais importante, bem como o mais negligenciado, é a mente. Tudo começa com o som que você sonha tirar do violão. Todo o restante constituem em estratégias para conseguir tornar real este som idealizado. Se você não sabe qual som você quer ter, mesmo que você o ache, você não vai saber.
E como construir um som na sua mente? O primeiro passo é escutar violão. Escutar muitos violonistas, de muitos estilos, em muitas formas. E isso implica em escutar ao vivo também. Seu primeiro modelo mental de sonoridade pode ser simplesmente a cópia do som de outra pessoa, e a partir daí você irá desenvolvendo sua sonoridade ideal agregando elementos de outros violonistas que você admira, até criar um modelo próprio, com uma sonoridade com personalidade própria. Isso pode levar muito anos, mas precisa começar o mais cedo possível. O primeiro passo é ter um violonista favorito. Mas, atenção: pode ser que você prefira um violonista por gostar muito do repertório que este toca, mas você gosta mais do som do outro toca. Neste caso, para sonoridade, consideremos como violonista favorito aquele instrumentos com o som que você mais gosta, independente dos projeto musicais realizados por este intérprete.
O formato, tamanho e polimento das unhas é o aspecto definidor da realização deste som idealizado. Este também é um tema complexo, mas podemos ousar reduzir a alguns parâmetros balizadores para você iniciar sua busca para atingir seu som desejado. O primeiro deles é que as unhas devem ter a maior superfície de contato possível com a corda, especialmente na região em que a unha faz o contato final com a corda. Portanto, unhas com pontas, em v, tendem a ter superfície de contato mínima e soam metálicas, como se a ponta de um arame tocasse as cordas, enquanto unhas mais largas e que são lixadas paralelamente à corda tendem a ter superfície de contato maior, e soam como se uma borracha ou um objeto grande dedilhasse as cordas.
Este primeiro princípio já implica outro: uma vez que estamos comparando o formato da unhas em relação à corda, então as unhas devem ter o formato definido por como a corda “vê” a unha, não como nós vemos a unha fora do violão. Ou seja, na hora de fazer o formato das unhas, se posicione como se fosse tocar, monte a sua mão na posição de tocar, observe, e comece a partir daí. Esta precisa ser a sua referência. Como as unhas parecem quando você está fora do violão é irrelevante.
Um terceiro princípio importante, ainda relacionado ao primeiro é que as unhas devem sair da corda de uma só vez, e rápido. Colocar o formato de uma forma que a base da unha é paralela à corda, em tamanho adequado (entre 1 a 2 milímetros mais longa que a corda, vendo na posição de tocar), é fundamental para que o som seja definido. Unha que sai de uma vez da corda soa como uma consoante definida, como t, d, k, enquanto uma unha longa e que esfrega na corda antes de sair soa como uma consoante sibilante, como f, s, x.
O quarto princípio é que as unhas precisam estar constantemente polidas tanto quanto o vidro. Hoje há no mercado várias opções de lixas de polimento, então o que falta é você estar se lixando para isso. Todos os dias.
Infelizmente ainda sabemos pouco sobre unhas. É preciso testar, experimentar, e uma dose de tentativa e erro para achar o formato mais adequado para cada um. Mas respeitar os princípio acima costumam poupar meses ou anos desta busca.
Quanto a cordas e violão, são aspectos acessórios e que fazem a diferença entre um som ótimo e um som bom, mas exceto se você estiver lidando com um instrumento inadequado para tocar solo, ou cordas antigas, a mente e as unhas já deveriam ser o suficiente para ter resultados bacanas. Não quero dizer com isso que são irrelevantes, pelo contrário: um som ótimo demanda a escolha dos acessórios adequados. Mas só o violão e só as cordas não vão permitir chegar nem à metade do necessário para ter um som bom se as unhas estiverem ruins, ou se a mente aceitar qualquer som que você produzir.
O que queria chamar a atenção quando falo de cordas é que é importante testar. Vivemos num mundo em que já há muitas opções de cordas no mercado, com tecnologias bastante diferentes, mas o conservadorismo e ignorância ainda prende a imensa maioria em duas ou três marcas ou modelos. É importante ousar ao menos testar as quatro principais tecnologias distintas do mercado: as cordas de nylon, criadas na década de 1930; as cordas de carbono, mais recentes; as cordas “titanium”, que visam ser um meio termo entre as cordas de carbono e as de nylon; e as cordas de polímeros que imitam a sonoridade da tripa, tipo de corda preferida entre violonistas do hemisfério norte antes da invenção do nylon.
Quanto às cordas de carbono, é importante notar que há duas gerações desta tecnologia. As pioneiras, Hannabach e Savarez, têm uma sonoridade bem mais distante que o nylon que as cordas de carbono da Hense, Knobloch, da Royal Classics ou mesmo da Augustine (sim, eles fizeram o sacrilégio de também fazer uma corda de carbono, acredita?). É extremamente provável que você prefira uma corda de uma destas gerações ao invés da outra. Elas são muito diferentes entre si, e o mais correto seria talvez até colocá-las em categorias distintas. Mas aposto que você não deve ter ouvido falar de nem metade das marcas que mencionei acima.
Entre as cordas Titanium, temos uma boa surpresa: a brasileira Giannini tem uma das melhores cordas com esta tecnologia. Embora claramente a Galli seja a empresa referência em fabricação de cordas com esta tecnologia, a Giannini costuma soar melhor que a versão Titanium até de empresas muito estabelecidas, como a D’Addario.
Por fim, as cordas que imitam a sonoridade de tripa têm objetivos e nomes de venda bastante distintos. A Pyramid e a Aquila gostam de colocar o termo “gut” (tripa em inglês) nos seus produtos, chamando de nylgut, por exemplo. Já a Royal Classics é uma das empresas que prefere referenciá-la como uma corda histórica, preferindo chamar suas cordas de XIX Century Guitar strings (cordas para violões do século XIX). De qualquer forma, segue sendo alguma corda de uma tecnologia próxima à das cordas modernas, com características que as permitem soar mais próximos de cordas de tripa. E, sim, podem ser usadas num violão normal. Sabe aquele som das gravações do Segovia jovem? Aquilo era com tripa. Uma corda que imita aquela sonoridade pode te ajudar a se aproximar daquele som.
O exemplo que acabei de citar acima nos leva a falar do último aspecto: o violão. Quero evitar neste texto ficar na infantil briga de torcida entre cedro e pinho. Vamos ter uma conversa adulta aqui: há sonoridades que, teoricamente, a gente gosta de acreditar que podem ser obtidas com qualquer violão ou corda. Mas, na vida real, só quem os tira é quem opta pelo mesmo tipo de violão e corda que o modelo do som idealizado. Não quero dizer que precisa ir até o requinte de ter o violão do mesmo luthier que seu violonista favorito (embora não seja uma opção ruim), mas se seu violonista favorito toca num violão tradicional de pinho, a melhor chance de ter um som como aquele é um violão tradicional de pinho. Já se o seu violonista favorito usa um violão double top de cedro, você vai aumentar as chances de obter aquele som num violão double top de cedro. Viu como é importante ter uma referência de som? Com esta referência, você está no caminho de ter o equipamento adequado para ter o som que você sonha para si. Sem esta, você está condenado a comprar um violão que reflete o sonho de outra pessoa. E aí volto ao primeiro passo: escute muita música, de muita gente, até tirar uma conclusão. Mas tire uma.
Naturalmente, aqui temos apenas algumas ideias esparsas para alimentar a discussão sobre o tema. Um dos desafios de falar sobre música é que uma mesma palavra pode significar coisas diferentes na mente de quem fala e na mente de quem ouve (por exemplo, som “encorpado” é um adjetivo vago, e que significa o que cada um quiser que signifique). Mas precisamos falar deste tema, de forma adulta e honesta, para que a troca de ideias permita a evolução de cada um de nós como violonistas ou meros amantes deste belo instrumento com a forma do infinito que nos encantará para sempre.